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    Quando o Apego Ansioso Parece Narcisismo: O Erro Silencioso que Confunde Relações e Diagnósticos

    Por muito tempo, comportamentos emocionais intensos foram tratados apenas como “drama”, “carência” ou, mais recentemente, como “narcisismo”. Com a popularização dos termos psicológicos nas redes sociais, uma nova confusão ganhou força: pessoas com apego ansioso passaram a ser frequentemente rotuladas como narcisistas — um equívoco que pode gerar estigmas, rupturas afetivas e até erros clínicos.

    Mas afinal, quando o apego ansioso parece narcisismo?

    A aparência engana

    À primeira vista, algumas atitudes de quem vive o apego ansioso podem lembrar traços narcisistas: necessidade constante de atenção, sofrimento intenso diante de afastamentos, cobranças emocionais e reações exacerbadas à sensação de rejeição. No olhar apressado, isso pode soar como egoísmo ou desejo de controle.

    No entanto, especialistas alertam: o comportamento pode até parecer semelhante, mas a motivação emocional é completamente diferente.

    O que é o apego ansioso

    O apego ansioso tem origem, geralmente, em experiências precoces marcadas por instabilidade emocional, vínculos inconsistentes ou medo de abandono. A pessoa cresce aprendendo que o afeto não é garantido — e, por isso, desenvolve uma vigilância constante sobre o outro.

    Quem vive esse padrão costuma carregar perguntas silenciosas como:
    “Eu sou suficiente?”
    “Você vai ficar ou vai me abandonar?”

    O sofrimento é real, profundo e frequentemente acompanhado de culpa, vergonha e sensação de inadequação.

    E o narcisismo, afinal?

    O narcisismo, especialmente em sua forma patológica, está ligado à necessidade de validação para sustentar a autoestima, muitas vezes a partir de uma posição defensiva de superioridade. Diferente do apego ansioso, o outro não é visto como base de segurança emocional, mas como um espelho que confirma valor, poder ou grandiosidade.

    Enquanto o apego ansioso teme perder o vínculo, o narcisismo teme perder a imagem.

    Onde nasce a confusão

    A confusão acontece quando se observa apenas o comportamento externo, sem analisar o contexto emocional e a história do sujeito. Buscar atenção, falar muito sobre a própria dor ou reagir com intensidade não significa, necessariamente, falta de empatia ou egocentrismo.

    No apego ansioso, o centro não é o “eu sou melhor”, mas o “eu tenho medo de não ser amado”.

    Os riscos do rótulo

    Rotular alguém ansioso como narcisista pode gerar consequências sérias: invalidação emocional, rompimentos afetivos, afastamento de tratamentos adequados e reforço de feridas antigas. Em vez de acolhimento, a pessoa recebe julgamento. Em vez de escuta, recebe condenação.

    No contexto clínico, esse erro pode levar a intervenções inadequadas e atrasar processos terapêuticos importantes.

    Um convite à escuta

    Em tempos de diagnósticos rápidos e termos virais, especialistas reforçam a importância da escuta qualificada e da análise cuidadosa. Nem todo comportamento intenso é narcisismo. Nem toda dor visível é manipulação.

    Entender a diferença entre apego ansioso e narcisismo é um passo fundamental para relações mais saudáveis, abordagens clínicas mais eficazes e uma sociedade menos punitiva com a vulnerabilidade humana.

    Porque, muitas vezes, o que parece ego não é excesso de amor-próprio — é falta de segurança emocional.

    Dra Pollyana Vieira
    Neurocientista Especialista em Comportamento e Desenvolvimento Humano
    SBNeC n° 16557/21
    Psicanalista
    Analista do Comportamento – ABA

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