Nos últimos anos, a discussão sobre identidade de gênero tem ganhado espaço e profundidade, permitindo que experiências antes silenciadas sejam finalmente nomeadas e compreendidas. Dentro desse cenário, surge um tema ainda pouco explorado, mas extremamente relevante: a vivência de homens autistas que se identificam, em algum nível, com o feminino — muitas vezes descrevendo-se como genofluidos.
É importante destacar, desde o início, que nem todo homem autista é genofluido, assim como nem toda pessoa genofluida está no espectro do autismo. No entanto, estudos e relatos clínicos apontam que pessoas autistas apresentam, com maior frequência, uma relação menos rígida com normas sociais — incluindo aquelas ligadas ao gênero. Isso ocorre porque o autismo envolve uma forma singular de perceber, sentir e se relacionar com o mundo, frequentemente menos condicionada por expectativas culturais impostas.
Para alguns homens autistas, a identidade masculina tradicional — associada à dureza emocional, competitividade e contenção afetiva — não representa quem eles são. Muitos se reconhecem em aspectos culturalmente associados ao feminino, como sensibilidade, empatia profunda, delicadeza emocional, estética ou formas mais fluídas de expressão do afeto. A genofluididade, nesse contexto, não surge como confusão, mas como autenticidade.
A genofluidez refere-se à experiência de ter uma identidade de gênero que pode variar ao longo do tempo, transitando entre o masculino, o feminino ou outras expressões de gênero. Para homens autistas, essa fluidez pode ser vivida de maneira intensa e consciente, justamente porque há uma menor necessidade interna de “performar” papéis sociais fixos. O foco costuma estar na coerência interna — ser quem se é — mais do que em atender expectativas externas.

Do ponto de vista psicológico, é fundamental compreender que essa vivência não é um sintoma, nem um desvio, tampouco algo que precise ser corrigido. Trata-se de uma expressão legítima da identidade. Quando esse aspecto é acolhido, o sofrimento psíquico diminui; quando é reprimido ou invalidado, podem surgir ansiedade, depressão e conflitos internos profundos.
Dar visibilidade a esse tema é um passo essencial para ampliar o entendimento sobre o espectro autista em adultos e, sobretudo, para humanizar as múltiplas formas de existir. Falar sobre homens autistas genofluidos é reconhecer que identidade, gênero e neurodiversidade se cruzam de maneira complexa, rica e única — e que nenhuma dessas dimensões, isoladamente, define o todo de uma pessoa.
Respeitar essa pluralidade não é apenas um ato de inclusão, mas um compromisso com a saúde mental, a dignidade e o direito fundamental de cada indivíduo ser quem é.
Dra Pollyana Vieira
Neurocientista Especialista em Comportamento e Desenvolvimento Humano
SBNeC n° 16557/21
Psicanalista
Analista do Comportamento – ABA














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