É inegável que o aumento das denúncias de maus-tratos contra animais indica maior consciência popular. No entanto, essa evolução precisa ser acompanhada por ações firmes do Estado
A violência contra animais no Brasil atingiu um nível inaceitável. Em todo o país, casos de maus-tratos extremos circulam diariamente nas redes sociais, chocando a população e provocando indignação coletiva. Segundo dados recentes, no Rio de Janeiro, apenas nos primeiros meses do ano, foram registradas quase 10 mil denúncias de maus-tratos. Casos são frequentes e revoltantes, como o dos assassinatos de gatos tigrados no Distrito Federal e, recentemente, a cena de um animal sendo arrastado por uma moto no interior do Ceará. Mesmo com tantos episódios e o clamor nas redes sociais, que atuam como vigilantes dos direitos desses seres, a resposta das instituições de Justiça, muitas vezes, não acompanha a gravidade dos crimes. A punição branda, quando ocorre, estimula a reincidência e reforça a ideia de que a vida animal vale pouco — ou quase nada — diante da lei.
Esse cenário escancara um problema profundo: a falta de compreensão real, por parte da sociedade e de setores do Judiciário, sobre os direitos dos animais. Eles não são objetos. São seres sencientes, capazes de sentir dor, medo e afeto. Por isso, merecem proteção efetiva por meio de leis rigorosas e sua devida aplicação. É inegável que o aumento das denúncias indica maior consciência popular. No entanto, essa evolução precisa ser acompanhada por ações firmes do Estado.
Apesar de avanços legislativos nos últimos anos, ainda há condescendência na forma como a Justiça trata os agressores. Em muitos casos, eles são presos em flagrante e soltos em audiências de custódia poucas horas depois, sem medidas restritivas compatíveis com o ato cometido. Isso cria um ciclo de impunidade e fragiliza os esforços de combate aos maus-tratos. Em vez de servir como ferramenta de responsabilização, o sistema acaba funcionando como estímulo para novos crimes.
Por esse motivo, defendo que crimes de maus-tratos a animais — especialmente quando cometidos com crueldade e que resultem na morte — sejam classificados como crimes hediondos. Essa proposta está no Projeto de Lei 2.475/2025, de minha autoria, em tramitação na Câmara dos Deputados. A nova tipificação impediria, por exemplo, que esses crimes fossem resolvidos por meio de acordos de não persecução penal — prática que permite substituir penas por medidas alternativas, como prestação de serviços à comunidade. Em crimes bárbaros, isso é inadmissível.
Uma medida urgente é a instalação de delegacias especializadas na proteção animal, com estrutura adequada e profissionais capacitados para lidar com esse tipo de violência. Essas unidades devem ser sensíveis às denúncias envolvendo abandono, negligência e maus-tratos, especialmente os casos que envolvem crueldade física e a morte dos inocentes. Devem, ainda, atuar com o Ministério Público, garantindo que as ocorrências sejam investigadas e encaminhadas com celeridade. A presença dessas delegacias nos estados e municípios reforça o papel preventivo e punitivo do Estado. No Distrito Federal, já há uma experiência exitosa, que queremos expandir para todo o Brasil.
A discussão ganhou ainda mais força após a aprovação da Lei de Cadeia para Maus-tratos — da qual tive a honra de presidir a Comissão Especial —, que aumentou as penas para maus-tratos especificamente a cães e gatos. Mesmo após essa e outras vitórias legislativas, ainda vemos decisões judiciais que não aplicam as penas máximas previstas nem refletem a gravidade dos crimes. O que falta, muitas vezes, é vontade de fazer valer a lei com o rigor que a sociedade espera.
Outro ponto sensível é a audiência de custódia. Criada para garantir os direitos humanos e evitar abusos do Estado, ela não pode continuar sendo usada como brecha para liberar agressores reincidentes de forma automática. Precisamos rever protocolos, criar filtros específicos e deixar clara a posição do Estado brasileiro: quem comete crimes contra animais será punido com seriedade e rigor.
A proteção animal não é pauta secundária. Ela está diretamente ligada aos valores mais básicos de uma sociedade civilizada: respeito, empatia, responsabilidade. Os crimes contra animais hoje são acompanhados e cobrados pela sociedade, que não tolera mais tais práticas. Ao tratarmos com firmeza quem pratica crueldade contra seres indefesos, reafirmamos o compromisso do Brasil com a justiça.
CÉLIO STUDART














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