Nos últimos anos, com o aumento das discussões sobre saúde mental e neurodiversidade, um fenômeno tem chamado a atenção de especialistas: a crescente confusão entre comportamentos do homem autista e características do homem com traços narcisistas. À primeira vista, ambos podem parecer distantes entre si, mas na prática do convívio diário muitas pessoas acabam interpretando de forma equivocada atitudes que têm origens completamente diferentes.
A raiz dessa confusão está justamente na superfície dos comportamentos — e não em sua essência.
Quando o silêncio parece frieza
Pessoas no espectro autista, sobretudo homens adultos, podem apresentar dificuldades em expressar emoções socialmente, manter contato visual, compreender nuances sociais e reagir de forma espontânea ao que o outro espera emocionalmente. Para quem observa de fora, isso pode parecer desinteresse, distanciamento ou até insensibilidade.
Mas, na verdade, trata-se de uma diferença neurológica. O homem autista sente, e muitas vezes sente muito — só não expressa da forma convencional.
Já o homem com traços narcisistas pode, sim, aparentar calma, controle e distanciamento. Porém, no narcisismo esses comportamentos partem de um lugar totalmente distinto: centralidade em si mesmo, busca constante por admiração e dificuldade real em reconhecer ou validar as emoções alheias. A frieza, nesse caso, não é um impacto do funcionamento neurológico, mas um padrão de personalidade.
Interações sociais: retração x manipulação
Homens autistas geralmente evitam interações sociais por sobrecarga sensorial, ansiedade ou dificuldade de leitura social. É uma retração genuína, muitas vezes acompanhada de sofrimento interno, medo de errar o tom ou insegurança sobre como agir.
O narcisista, por outro lado, não evita interações — pelo contrário, as usa como palco para manter sua posição de destaque, controlar narrativas ou garantir admiração. A manipulação, mesmo que sutil, faz parte do repertório narcisista, enquanto o autista costuma prezar pela honestidade direta, sem jogos emocionais.
Empatia: uma confusão frequente
A empatia é o ponto onde a confusão mais acontece.
No autismo, existe a chamada empatia cognitiva reduzida — dificuldade em interpretar o que o outro sente — mas, ao mesmo tempo, uma empatia afetiva intensa, ou seja, o autista sente profundamente quando percebe o sofrimento alheio.
No narcisismo, a situação é inversa:
a pessoa compreende muito bem o que o outro sente (empatia cognitiva preservada), mas tem grande dificuldade de se importar genuinamente com isso (defasagem na empatia afetiva).
Essa inversão leva muitos a concluir, erroneamente, que ambos “não têm empatia”. Mas os motivos — e os impactos — são completamente diferentes.
Por que confundimos tanto?
A semelhança está na aparência, não na essência.
Ambos podem:
•Falar de forma direta ou literal.
•Demonstrar pouco contato visual.
•Parecer socialmente distantes.
•Priorizar a própria rotina ou interesses.
•Se frustrar facilmente quando algo sai do esperado.

Mas o porquê disso tudo não poderia ser mais diferente.
O homem autista luta diariamente para se adaptar a um mundo que não foi projetado para ele. Suas dificuldades são fruto de um cérebro que funciona de maneira singular, não de uma escolha.
O homem narcisista, por sua vez, molda comportamentos baseados na validação externa, no controle e, muitas vezes, na manutenção de uma imagem superior. Sua relação com o outro é utilitária, não sensorial.
Olhar com mais cuidado para não julgar errado
Quando confundimos autismo com narcisismo, corremos o risco de rotular injustamente um homem que, na verdade, está tentando se conectar, mas não sabe como. Ao mesmo tempo, podemos normalizar comportamentos nocivos de quem se esconde atrás dessa confusão para evitar responsabilidade emocional.
Com informação, sensibilidade e menos pressa em julgar, é possível distinguir neurodivergências de traços de personalidade — e, principalmente, compreender que nem toda dificuldade emocional é falta de caráter, assim como nem toda segurança é saúde relacional.
No fim, conhecer essas diferenças não é apenas uma questão diagnóstica:
é um gesto de empatia com a diversidade humana.














Excelente texto, pois infelizmente muitas pessoas confundem muito estas duas situações.
Parabéns.
Em um momento de nossa sociedade, com tanta desinformação, um artigo importantíssimo para compreendermos essas novas discussões sobre saúde mental e neurodiversidade.
A explicação sobre a inversão da empatia (cognitiva × afetiva) é cristalina e deveria ser compartilhada em todo grupo de WhatsApp de família desse Brasil.
Parabéns, Dra. Pollyana Vieira, por tratar um tema tão delicado com clareza, respeito e precisão. Texto para guardar, imprimir e colar na geladeira.
“Excelente artigo! A forma como você esclarece as diferenças entre autismo e narcisismo em homens adultos é extremamente necessária. Explicações simples, responsáveis e baseadas em comportamento ajudam a desfazer estigmas e evitam confusões que podem prejudicar diagnósticos e relações. Parabéns pela contribuição tão clara e valiosa ao tema.”
Explicações simples, responsáveis e baseadas em comportamento ajudam a desfazer estigmas e evitam confusões que podem prejudicar diagnósticos e relações. Parabéns pela contribuição tão clara e valiosa ao tema.”Artigos como esse deveriam ser valorizados com excelência , pois a cada dia o número de diagnóstico positivo vem crescendo significativamente e as pessoas precisam estar preparadas tanto psicologicamente quanto intelectualmente para as diversidades.
é muito gratificante ver profissionais tão competentes esclarecer tópicos importantes como esses. excelente!
Parabéns pelo artigo tão esclarecedor. Percebi o quão tenue é o diagnóstico das diferenças abordadas e a importância de pessoas capacitadas que abordem o tema com tanta precisão e didática .
Tema extremamente necessário e, muito bem abordado. A confusão entre autismo e narcisismo ainda é comum, justamente, porque muitas pessoas observam apenas o comportamento externo, sem compreender as motivações internas. Este tipo de conteúdo, ajuda a desfazer mitos, ampliar a empatia e, não menos, evitar julgamentos precipitados. Entender que o autista enfrenta desafios neurológicos — enquanto o narcisista age a partir de padrões de personalidade — é essencial para que possamos construir relações mais justas, humanas e responsáveis. Informação de qualidade como esta, faz grande diferença no convívio social e na forma como enxergamos, a “diversidade humana”.
Obrigada pela bela reflexão Faber
Eu leio e acompanho todos seus artigos publicado.
Minha vida tem sido de perguntas frequentes, pois as vezes sinto que minha cabeça vai dar um nó 😭, mas quando leio seus artigos que são muito esclarecedor, abre um leque. Obrigada por tudo, vc tem sido uma benção na minha vida principalmente na vida do Kauan. Que Deus continue abençoando seu trabalho.
Bjsssss