O SUS ainda atua mais no tratamento das complicações (como amputações e diálise) do que na prevenção e no controle precoce do diabetes tipo 2
O diabetes tipo 2 deixou de ser apenas doença crônica para se tornar um retrato da sociedade moderna: sedentária, desinformada e alimentada por ultraprocessados. Segundo a Federação Internacional de Diabetes (IDF), 530 milhões de adultos vivem hoje com essa condição, e o número deve ultrapassar 760 milhões até 2050. No Brasil, já são mais de 16 milhões de pessoas, e as projeções também indicam crescimento constante de pacientes. Um alerta hoje, Dia Mundial do Diabetes: a cada 10 adultos brasileiros, um tem a doença — e metade sequer sabe disso.
A explicação para esse aumento vai muito além da ideia simplista de que “as pessoas comem muito doce”. O avanço da doença resulta de uma combinação explosiva: envelhecimento populacional, obesidade, má alimentação, sedentarismo, urbanização acelerada e desigualdade social.
O Brasil vive uma transição alimentar perigosa. Alimentos ultraprocessados, ricos em açúcares e gorduras, dominam as prateleiras e substituem a comida de verdade. Paralelamente, o trabalho sedentário, o transporte motorizado e a falta de tempo reduzem a prática de atividades físicas. O resultado é um ambiente propício para a obesidade, que favorece o aparecimento de doenças metabólicas.
O Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal escudo da população contra o avanço do diabetes. O país oferece insulina e medicamentos orais gratuitamente, além de programas de acompanhamento em unidades básicas de saúde (UBSs). No entanto, o sistema enfrenta falhas graves: descontinuidade de tratamento, escassez de insumos, ausência de profissionais especializados e dificuldade de acesso a exames e tecnologias modernas — como sensores contínuos de glicemia.
Em muitas regiões, faltam endocrinologistas, nutricionistas e educadores em diabetes. Assim, o SUS ainda atua mais no tratamento das complicações (como amputações e diálise) do que na prevenção e no controle precoce da doença — realidade que se repete no enfrentamento de outras doenças crônicas.
O tema também ocupa espaço crescente no Congresso Nacional. Entre os principais projetos de lei, destacam-se o PL 3.526/2024, que propõe o fornecimento gratuito de sensores contínuos de glicemia pelo SUS; e o PL 4.565/2024, que assegura o direito de monitorar a glicemia em provas e concursos, sem prejuízo ao candidato. Essas propostas refletem uma mobilização social legítima, mas enfrentam entraves orçamentários e disputas técnicas. O desafio é equilibrar justiça social e viabilidade econômica, evitando que a burocracia adie soluções urgentes.
Culpar o paciente é mais fácil do que enfrentar o verdadeiro problema: um sistema que favorece o adoecimento. Falta regulação da indústria alimentícia, rotulagem clara, políticas de incentivo à alimentação saudável e condições socioeconômicas que facilitem a adoção de hábitos mais saudáveis, como espaços urbanos seguros que estimulem a prática de atividades físicas.
A prevenção, embora mais barata e eficaz que o tratamento, continua subfinanciada. O país investe mais em hemodiálise e amputações do que em hortas escolares e ciclovias. É a lógica invertida de um sistema que trata o sintoma, mas ignora a causa.














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