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    A Justiça sem proteção e o ‘império do medo’

    A recente operação da Polícia Civil e do Ministério Público de São Paulo (MP-SP) revelou um plano do Primeiro Comando da Capital (PCC) para executar altas autoridades do sistema de Justiça, incluindo juízes e promotores. Tal notícia escancara o quanto profissionais que atuam na linha de frente no combate à criminalidade, seja na seara do Judiciário quanto na Segurança Pública, estão expostos e cada vez mais vulneráveis diante das facções.

    Segundo as investigações, os ataques seriam uma retaliação direta às ações do Estado contra lideranças da organização, como a transferência de Marcos Willians Herbas Camacho, o Marcola, líder do PCC, para um presídio federal de segurança máxima, anos atrás. Prova de que a facção não hesita em ameaçar a estrutura institucional do País.

    Não se trata de episódio isolado. Há todo um histórico de intimidações, de atentados e de perseguições, que colocam em risco não apenas a integridade física, mas, também, o equilíbrio mental de juízes, de promotores, de procuradores e de defensores públicos em geral.

    Estamos falando de profissionais que, por força da atuação laboral, enfrentam diariamente o poder paralelo do crime organizado — e, em regra, sem o respaldo necessário do Estado em termos de proteção. A exposição constante a esse tipo de risco exige medidas concretas e eficazes, que, convenhamos, vão além do reconhecimento simbólico e público da gravidade da situação.

    Neste contexto, causa surpresa e indignação o veto parcial do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ao Projeto de Lei (PL) 4.015/2023, que reconhecia como atividade de risco permanente as funções exercidas por membros do Judiciário, do MP e da Defensoria Pública.

    A versão sancionada da matéria aumentou as penas para crimes cometidos contra estes agentes. No entanto, o trecho que previa demais medidas especiais de proteção foi suprimido, o que frustrou a expectativa de mais segurança para a classe.

    Tal decisão reacende o debate sobre a vulnerabilidade dos operadores do Direito face a facções, como o PCC. Sem o reconhecimento formal de que suas funções constituem atividades de risco real, juízes, promotores — e, na seara da Segurança Pública, delegados de Polícia — seguem expostos, sem escolta, sem proteção de dados pessoais e sem protocolos específicos quando presentes em zonas de perigo.

    A ausência de medidas robustas e eficazes pode comprometer não apenas a proteção individual destes profissionais, mas, sobretudo, a eficácia do sistema de Justiça como um todo no enfrentamento ao crime organizado. Afinal, quando o medo se torna variável constante na atuação jurídica, a imparcialidade, a firmeza e a independência institucional são colocadas em xeque.

    É urgente que o Estado brasileiro reavalie sua postura diante desta realidade alarmante. O fortalecimento das instituições passa, necessariamente, pela valorização (estrutural, financeira) e, por óbvio, pela proteção de seus agentes.

    Reconhecer o que enfrentamos cotidianamente não é apenas uma questão de Justiça — é medida estratégica, a fim de garantir que o combate às facções aconteça com firmeza, segurança e legitimidade.

    Celeste Leite dos Santos é promotora de Justiça em Último Grau do Colégio Recursal do Ministério Público (MP) de São Paulo; doutora em Direito Civil; mestre em Direito Penal; presidente do Instituto Brasileiro de Atenção Integral à Vítima (Pró-Vítima); idealizadora do Estatuto da Vítima; e coordenadora científica da Revista Internacional de Vitimologia e Justiça Restaurativa.

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